quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Entrevista de Sam Harris a revista Veja - A religião faz mal ao mundo

O filósofo Sam Harris, um dos ateus mais barulhentos dos EUA, diz que só com o fim da fé se poderá erguer uma civilização global.
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Dependendo do ângulo em que é observado, o filósofo americano Sam Harris, de 40 anos, exibe uma des-concertante semelhança fí-sica com o ator Ben Stiller, mas seu trabalho nunca está para comédias. Junto com o biólogo inglês Richard Dawkins, autor de Deus, um Delírio, Sam Harris é um dos mais ativos militantes contra as religiões. Em 2005, nos Estados Unidos, ele lançou O Fim da Fé e ficou mais de trinta semanas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. Neste ano, produziu um novo best-seller com críticas à religião. Com 91 páginas, Carta a uma Nação Cristã, já lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é um compêndio em defesa do ateísmo. É redigido com uma linguagem tão cortante e argumentos tão implacáveis que, por vezes, roça o panfletário, mas dá seu recado com clareza absoluta. O filósofo bate em cada um dos pilares da fé e conclui: "A religião agrava e exacerba os conflitos humanos muito mais do que o tribalismo, o racismo ou a política". Ele deu a seguinte entrevista:


VejaO movimento dos ateus é forte nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente. É uma decorrência dos atentados de 11 de setembro de 2001?


Sam_Harris_01Vejo dois motivos simultâneos para essa confluência geográfica: os atentados de 11 de setembro e a escancarada religiosidade do governo de George W. Bush. A conjunção desses dois fatores levou muitas pessoas a se preocupar com o fato de que a fé está agora dos dois lados do balcão. Esse é um jogo altamente perigoso.








VejaPor quê?



Sam_Harris_01A fé é, intrinsecamente, um elemento que, em vez de unir, divide. A única coisa que leva os seres humanos a cooperar uns com os outros de modo desprendido é nossa prontidão para termos nossas crenças e comportamentos modificados pela via do diálogo. A fé interdita o diálogo, faz com que as crenças de uma pessoa se tornem impermeáveis a novos argumentos, novas evidências. A fé até pode ser benigna no nível pessoal. Mas, no plano coletivo, quando se trata de governos capazes de fazer guerras ou desenvolver políticas públicas, a fé é um desastre absoluto.


VejaO senhor acha que o mundo seria melhor sem religião, sem fé, sem crença em Deus?


Sam_Harris_01Seria melhor se não houvesse mentiras. A religião é construída, e num grau notável, sobre mentiras. Não me refiro aos espetáculos de hipocrisia, como quando um pastor evangélico é flagrado com um garoto de programa ou metanfetamina, ou ambos. Refiro-me à falência sistemática da maioria dos crentes em admitir que as alegações básicas para sua fé são profundamente suspeitas. É mamãe dizendo que vovó morreu e foi para o céu, mas mamãe não sabe. A verdade é que mamãe está mentindo, para si própria e para seus filhos, e a maioria de nós encara tal comportamento como se fosse perfeitamente normal. Em vez de ensinarmos as crianças a lidar com o sofrimento e ser felizes apesar da realidade da morte, optamos por alimentar seu poder de se iludir e se enganar.


Veja
É possível conciliar ciência e religião?



Sam_Harris_01A diferença entre ciência e religião é a diferença entre ter bons ou maus motivos para acreditar nas hipóteses sobre o mundo. Se houvesse boas razões para crer que Jesus nasceu de uma virgem ou que voltará à Terra, tais proposições fariam parte de nossa visão racional e científica do mundo. Mas, como não há boas razões para acreditar nisso, quem o faz está em franco conflito com a ciência. É claro que as pessoas sempre acham um modo de mentir para elas mesmas e para os outros. A estratégia, nesse caso, é dizer que tal crença decorre da fé. Com freqüência, ouvimos dizer que não há conflito entre razão e fé. É o mesmo que dizer que não há conflito entre fingir saber e realmente saber. Ou que não há conflito entre auto-engano e honestidade intelectual.


VejaHaverá o dia em que a humanidade deixará de ter fé ou a fé faz parte da natureza humana?




Sam_Harris_01O desejo de compreender o que se passa no mundo é inato, assim como o desejo de ser feliz, de estar cercado por pessoas que amamos ou o desejo de ser mais feliz, mais carinhoso, mais ético no futuro. Mas nada disso nos obriga a mentir para nós mesmos, ou para nossos filhos, a respeito da natureza do universo. É claro que nossa compreensão do universo é incompleta e desconhecemos a extensão exata de nossa ignorância. Não temos como antecipar as maravilhosas descobertas que serão feitas. O que sabemos com absoluta certeza, aqui e agora, é que nem aBíblia nem o Corão trazem nossa melhor compreensão do universo.


VejaMas nem a Bíblia nem o Corão se pretendem um manual científico para entender o mundo?


Sam_Harris_01Esses livros não são sequer um guia sobre moralidade que possamos considerar minimamente adequado, e falo de moralidade porque é um campo em que ambos se consideram exemplares. ABíblia e o Corão, por exemplo, aceitam a escravidão. Qualquer um que os considere guias morais deve ser a favor da escravidão. Não há uma única linha no Novo Testamento que denuncie a iniqüidade da escravidão. São Paulo até aconselha aos escravos que sirvam bem aos seus senhores e sirvam especialmente bem aos seus senhores cristãos. É desnecessário dizer que a Bíblia e o Corão,além de não servir como guias em termos de moralidade, também não são autoridade em física, astronomia ou economia.


VejaQue tipo de impacto seu livro pode ter sobre os leitores religiosos?



Sam_Harris_01Eu ficaria feliz se o livro levasse os leitores a se perguntar por que, em pleno século XXI, ainda aplaudimos pessoas que fingem saber o que elas manifestamente não sabem nem podem saber. Não há uma única pessoa viva que saiba se Jesus era filho de Deus ou se nasceu de uma virgem. Na verdade, não há uma pessoa viva que saiba se o Jesus histórico tinha barba. No entanto, em muitos países é uma necessidade política simular que sabemos coisas sobre Deus, sobre Jesus, sobre a origem divina da Bíblia. Imagino que qualquer pessoa religiosa que leia Carta a uma Nação Cristãcom a cabeça aberta descobrirá que os argumentos usados contra a fé religiosa são absolutamente irrespondíveis. Isso deve ter algum efeito sobre o modo de ver o mundo dos leitores. Eles certamente vão perceber que ser um cristão devotado faz tanto sentido quanto ser um muçulmano devotado, que, por sua vez, é tão lógico quanto ser um adorador de Poseidon, o deus do mar na Grécia antiga. É hora de falarmos sobre a felicidade humana e nossa disponibilidade para experiências espirituais na linguagem da ciência do século XXI, deixando a mitologia para trás.


VejaO Brasil é um país aparentemente tolerante com as diferentes religiões e conhecido pelo sincretismo religioso. Num país assim, é mais fácil ou mais difícil para o ateísmo crescer?


Sam_Harris_01Em certo sentido, deve ser mais fácil. O convívio intenso de crenças inconciliáveis deve levar as pessoas a compreender que tais crenças são produtos de acidentes históricos, são contingenciais, são criadas pelo homem e, portanto, não são o que pregam ser. Judeus e cristãos não podem estar ambos certos porque o núcleo de suas crenças é contraditório. Na verdade, eles estão equivocados sobre muitas coisas, exatamente como estavam antes os adoradores dos deuses egípcios ou gregos. Ou os adoradores de milhares de deuses que morreram durante a longa e escura noite da superstição e da ignorância humana. Em qualquer lugar que os seres humanos façam um esforço honesto para chegar à verdade, nosso discurso transcende o sectarismo religioso. Não há física cristã, álgebra muçulmana. No futuro, não haverá nada como espiritualidade muçulmana ou ética cristã. Se há verdades espirituais ou éticas a ser descobertas, e tenho certeza de que há, elas vão transcender os acidentes culturais e as localizações geográficas. Falando honestamente, esse é o único fundamento sobre o qual podemos erguer uma civilização verdadeiramente global.


Revista Veja                                                                                                                                     Edição 2040 de 26 de dezembro de 2007

2 comentários:

  1. Mas segundo os dados da ONU, os regimes que impuseram o ateísmo, mataram incomparavelmente mais do que todos as guerras "santas" e perseguições religiosas juntas. Não seria a sede do poder, a lei do "mais forte prevalece" o grande problema de nossa sociedade?

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  2. Nunca existiu um regime ateísta.O que existiu foi o Marxismo que tinhas ideias ateístas, mas isso não atribui todas as mortes ao e ao comunismo ao ateísmo. Nunca houve nenhuma morte de ninguém por a pessoa não ser ateia.Em nenhum lugar das doutrinas que tem base ateístas, diz para matar pessoas religiosas, esses regimes dizem que a religião deve ser acabada, não ser exterminados os religiosos, como a igreja tanto fez com qualquer sonhasse pensar diferente dela.Outra a própria ideia de Marxismo foi deturpada, dentre essas deturpações foi que pessoas religiosas foram mortas e o poder ficou nas mãos de uma única pessoa.Então não se pode atribuir crimes de poucas pessoas ao ateísmo.
    Agora revolução tem que ter sangue, tem que ter mortes, se não não é revolução, único jeito do partido comunista tomar o país era matando, não tinha outro jeito, isto é válido historicamente.Agora instituições religiosas que deveriam pregar, cujo sua doutrina é de amar o próximo a paz e mata pessoas, isso é uma aberração. Sistemas políticos é uma coisa, neles cabem guerras, guerrilhas, terrorismo etc.Sistemas religiosos não, estes pregam a paz e tem por obrigação serem pacíficos.
    Faça os cálculos de quanto a inquisição matou em 500 anos, pra vc ter noção o nazismo foi um jardim de infância perto do que a inquisição matou.Hoje ela só "não mata" por que a sociedade não tolera mais, pois se pudesse estaria mantando até hoje.Agora ajunte todas as religiões do mundo que mataram, veja quantas pessoas mortas.
    A religião sempre foi uma politica, ela sempre esteve no controle do estado, ela sempre ansiou o poder. O fato é que basta dar uma gota de poder ao homem, que ele quer tomar um galão todo.

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