terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Entrevista Richard Dawkins a revista Veja

O apóstolo de Darwin

O biólogo britânico Richard Dawkins
defende que a ciência é melhor que a religião

Richard_Dawkins_by_bronze_dragonriderNascido em 1941, no Quênia, em meio a uma das mais belas paisagens do planeta, o biólogo britânico Richard Dawkins passou boa parte da infância e da adolescência alheio aos encantos da natureza. Filho de um botânico formado em Oxford, ele não tinha paciência para observar plantas ou caçar borboletas. Era um jovem filosofante, fascinado por questões do tipo "de onde viemos?" As primeiras respostas ele foi buscar na religião. Aos 16 anos, porém, encontrou uma explicação alternativa, que abraçou para nunca mais abandonar. A explicação vinha de Charles Darwin, com sua famosa teoria da evolução. Ele, então, adotou como bíblia o livro escrito em 1859 pelo cientista inglês, A Origem das Espécies.

Com o passar dos anos, Dawkins assumiu na comunidade científica internacional o papel de uma espécie de apóstolo do darwinismo, cujas verdades ele não se cansa de defender, refinar e divulgar. Seu primeiro livro, O Gene Egoísta, foi lançado em 1976. Em estilo vigoroso, Dawkins expunha teses polêmicas. "Somos máquinas de sobrevivência", escrevia ele. "Veículos-robôs programados cegamente para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes." A obra vendeu milhares de cópias no mundo inteiro. Ganhou inimigos entre os religiosos e também no meio científico. Muitos o chamavam de reducionista — um homem para quem tudo na vida se resume a cadeias de DNA. O tempo fez com que seus pares reconhecessem nele um pensador arguto e, sobretudo, capaz de trocar em miúdos os argumentos mais complicados. Em 1995, Dawkins foi eleito, em Oxford, para a primeira cátedra de compreensão pública da ciência.

Depois de O Gene Egoísta, o autor publicou mais quatro livros. O mais recente sea-escalada chama A Escalada do Monte Improvável (Companhia das Letras; tradução de Suzana Sturlini Couto; 372 páginas; 27,50 reais). A obra tem dois objetivos. O primeiro é demolir o criacionismo (teoria segundo a qual os seres vivos foram criados por Deus a partir do nada). O segundo, mostrar como a evolução das espécies, por meio da seleção natural, é um processo gradual e incontestável. Virtuose do texto, Dawkins alterna capítulos de argumentação com trechos narrativos. Teorias complicadas viram tramas bem urdidas. Na melhor passagem, o autor enfoca a relação entre figos e vespas, cujas existências estão interligadas de maneira espetacularmente sutil e intricada. Essa estranha relação, diz Dawkins, não decorre de algum secreto desígnio divino, mas de um "ajuste fino darwiniano" demonstrável e crível. É difícil ficar imune à argumentação rigorosa de Dawkins (veja entrevista abaixo). Mais ainda porque toda a sua lógica e ciência vêm apoiadas em linguagem saborosa.

 

"A função da vida é garantir o DNA"

Em entrevista a VEJA, o biólogo britânico Richard Dawkins explica a sua apaixonada fé no darwinismo:

VejqVeja O senhor é ateu. Por que Deus não existe?

 

dawkinsnett — A religião é uma espécie de "teoria" sobre a existência do cosmos e da vida. Seus seguidores buscam explicação plausível para o fato de coisas tão complexas como os organismos vivos terem surgido um dia. O que ela oferece é a tese de que, homens ou vírus, todos têm um "desenho divino" que os constitui. Ora, o darwinismo é uma alternativa para a religião. Só que infinitamente mais elegante.

Vejq  Por quê?

 

dawkinsnett — O darwinismo lhe pede para pressupor apenas dois fatos: a hereditariedade e a seleção natural. Ou seja, você deve primeiro aceitar que genes são transmitidos de geração para geração. Depois, que os "bons" genes, que definem características vantajosas, continuarão sendo transmitidos para mais e mais descendentes, enquanto os genes "ruins" acabarão sendo filtrados. Partindo dessas duas idéias demonstráveis, o darwinismo prova como estruturas tão "improváveis", tão complicadas de imaginar como um olho, por exemplo, se desenvolveram na natureza. Em contrapartida, a religião lhe pede para acreditar numa entidade que, num único gesto, sacou do vácuo organismos complexos. Ora, a existência de um projetista tão formidável é também muito estranha. Também requer uma explicação. Ou seja, a religião nos explica uma coisa complexa, a vida, com outra coisa complexa, Deus. Se levamos a razão a sério, temos de concordar que Darwin é mais simples e poderoso.

Vejq  Sem Deus, qual o propósito da vida?

 

dawkinsnett — A idéia de "propósito da vida" perde sentido com o darwinismo. Mas acho que se pode falar de uma "função útil" da vida dos seres individuais. E essa função, sem rodeios, é garantir a sobrevivência de DNA. As pessoas têm dificuldade em imaginar um mundo assim, guiado apenas pelo imperativo de replicação de cargas genéticas. Mas é isso, basta refletir a respeito. Suponha, por exemplo, que daqui a alguns séculos um arqueólogo encontre o "fóssil" de uma motocicleta. Talvez ele não entenda o objeto imediatamente e se pergunte para que ele servia. Aos poucos, poderá deduzir a função de cada parte da moto e, finalmente, a função da máquina como um todo. O mesmo se aplica aos seres vivos. Você olha para a asa de um pássaro e não sabe para que serve. Depois, nota que sua função é servir ao vôo. Se refinar sua análise, perceberá que a função do vôo é permitir a alimentação. Por fim, notará que a função de todas as funções é levar à reprodução. É fazer com que o pássaro transmita para gerações futuras os genes que o "construíram". A utilidade dos organismos é, assim, muito estreita: maximizar a sobrevivência de genes.

Vejq  A religião oferece consolo. E o darwinismo?

 

dawkinsnett— Encontro grande consolo na beleza da vida. E o conhecimento, por si só, vale a pena.

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